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ADC nº 49: A não incidência do ICMS em transferências entre estabelecimentos do Contribuinte – Não

Ainda no ano de 1996, com a edição da Súmula 166 do STJ, já prevalecia a posição jurisprudencial de que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria entre os estabelecimentos da mesma empresa, tendo em vista a ausência da necessária circulação jurídica como requisito material à incidência do referido imposto.


Ocorre que, com o advento da LC 87/96, diante do contido em seu art. 12, inciso I, a simples saída da mercadoria do estabelecimento, ainda que destinada a outro estabelecimento do mesmo titular, passou a ser considerada fato gerador do ICMS.


Novamente submetida à análise do Judiciário, a questão foi afetada pela repercussão geral e decidida pelo STF, que fixou a seguinte tese: "Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia" (ARE 1.255.885 - Tema 1099).


Por se tratar de uma decisão proferida sob a sistemática da repercussão geral, o entendimento fixado pelo STF somente vinculava os órgãos do Poder Judiciário, situação esta modificada com a recente decisão proferida pela mesma Corte que, nos autos da Ação Direta de Constitucionalidade (“ADC”) nº 49, reafirmou a tese de que o ICMS não é devido sobre transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, desta vez vinculando os órgãos da própria Administração Pública, com efeitos retroativos[1].


Ou seja, enquanto o julgamento proferido pelo STF em repercussão geral não vinculava o Fisco, exigindo que o contribuinte se socorre-se ao Poder Judiciário para questionar a exigência do ICMS em transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, o que na maioria das vezes não era vantajoso, agora, com o julgamento da ADC nº 49, a posição firmada deve ser necessariamente observada pelos órgãos da Administração Pública e, por conseguinte, pelos contribuintes.


Ainda não houve a publicação do respectivo acórdão, mas, de acordo com o voto condutor do Ministro Relator Edson Fachin, já disponível para consulta, verifica-se que o conteúdo do provimento se dirige à declaração de inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da LC n. 87/96.


A partir da declaração de inconstitucionalidade, verifica-se que o conteúdo do voto relativizou o princípio da autonomia dos estabelecimentos, mediante a interpretação de que, necessariamente, a incidência do ICMS pressupõe a saída definitiva da mercadoria da pessoa jurídica, pouco importando as prévias transferências entre seus estabelecimentos.


O voto condutor da ADC nº 49 não aborda a questão relativa aos créditos apropriados pelos estabelecimentos do mesmo titular sob o prisma dessas transferências, mas, desde já, é possível vislumbrar uma preocupação das possíveis consequências que daí decorrerão.


É que, uma vez definida a não incidência do ICMS nas transferências, surgiria a indagação quanto à eventual necessidade do estabelecimento que promove a transferência estornar os créditos vinculados às etapas anteriores. E, por outro lado, o estabelecimento que recebe em transferência não ter créditos a apropriar, dado que a entrada não sofreu a incidência do imposto.


Nos parece que este não deveria ser o resultado decorrente da decisão do STF, eis que uma vez que é retirada a autonomia dos estabelecimentos, o direito aos créditos e a manutenção destes seria verificada em razão das efetivas operações de saída promovida pelo contribuinte e não em relação às transferências entre seus estabelecimentos.


Tratando-se de transferências entre estabelecimentos situados em um mesmo Estado, já existem, inclusive, mecanismos de centralização da apuração que poderiam viabilizar este tratamento.


Mas, diante de estabelecimentos situados em Estados diversos, a tendência é que as dificuldades sejam maiores, não obstante a manutenção e alocação dos créditos nos pareça ser uma medida impositiva, inclusive sob o prisma do princípio do pacto federativo.


De fato, suponha-se que um estabelecimento no Estado A adquira insumos que são destinados a outro estabelecimento do mesmo titular situado em Estado B para aplicação na produção de certa mercadoria. Não havendo a necessidade de estorno de crédito na origem apenas, o montante apurado pelo estabelecimento no Estado A seria mantido na escrita fiscal, podendo ser utilizado na compensação com outras operações ou mesmo ser tratado como crédito acumulado.


Já a saída definitiva efetuada no Estado B, sem um mecanismo que permita a alocação dos correlatos créditos em sua escrita fiscal, não levará em consideração o aproveitamento dos créditos sobre os insumos, assumindo uma feição cumulativa e gerando uma arrecadação maior para este Estado.


Sob a perspectiva do contribuinte, admitindo-se a manutenção do crédito no Estado de Origem (A), a situação até poderá ser neutra, não obstante o risco de acúmulo de créditos em um Estado e pagamento de imposto em outro, mas, do ponto de vista dos Estados, a repartição das receitas seria completamente redesenhada e deverá levar a medidas restritivas por parte do Fisco que se ver prejudicado, incluindo-se a lavratura de autos de infração para a glosa de créditos.


Nessa ordem de ideias, e considerando que o precedente firmado em ADC irá vincular a Administração Pública e, ainda, possui eficácia retroativa, há que se estar atento para uma possível nova onda de disputas com os Fiscos Estaduais em torno da matéria.


Manteremos o acompanhamento do tema e permanecemos à disposição para qualquer esclarecimento adicional que se faça necessário.


Wagner Silva Rodrigues

wagner@lrng.com.br

Fernado Monteiro

[1] Como regra, as decisões proferidas em ADC, por maioria absoluta dos membros do STF, produz efeitos “erga omnes” (contra todos) e “ex tunc” (retroage)

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